CENTENÁRIO DO CRUZEIRO DO SUL ESPORTE CLUBE

Cruzeiro do Sul Esporte Clube

Considerações preliminares

Neste ano 2022, mais precisamente em 21 de abril, o mundo desportivo cachoeirense celebra efeméride especial. É o centenário do CRUZEIRO DO SUL ESPORTE CLUBE, o mais antigo clube de futebol do município de Ouro Preto ou, talvez, desta região.

Poderão perguntar por que o criador e proprietário do OURO PRETO WORLD se mete a escrever sobre o assunto, uma vez que não é ligado a futebol, aliás, a esporte algum, e, não gosta de jogo de qualquer espécie. Várias são as razões.

 A primeira por ter o site OURO PRETO WORLD o objetivo de informar sobre a cultura do município e tornar conhecidos fatos que não aparecem na História e nem a propaganda oficial revela! Mais ou menos isso é o que se lê no cabeçalho do site. Só as particularidades acima já seriam suficientes para me dispor a escrever e destinar uma página neste site.

Quanto ao fato de o autor não gostar de futebol é fator que interessa tão  somente a ele; é parte de são personalidade e sobre isso não cabe discussão. Quanto ao centenário do clube, é fator histórico ligado à comunidade cachoeirense na qual está inserido  o autor. Não confundamos as coisas.

Clube de futebol mais antigo do município é façanha a se destacar, sabendo-se que do distrito sede (a cidade), ex-capital da capitania, da província e do estado de Minas Gerais, detentora de tantos títulos, dentre os quais o de Patrimônio da Humanidade, o mais antigo clube só foi fundado mais tarde, em 1937.

É que enquanto os “trezentões” se embeveciam com a História, os “da roça” faziam sua História, fundando também o segundo mais antigo, o Progresso, em 1933, 11 anos depois de o Cruzeiro do Sul ser fundado.

Em segundo plano vêm razões de cunho pessoal. Desde os primeiros anos de vida, desenvolvi afinidade muito forte com banda de música, tendo a “União Social”, popularmente conhecida como “Banda de Baixo” como  modelo e em relação à  qual somei o vínculo efetivo ao afetivo, a partir dos 15 anos de idade, ao ingressar em suas fileiras  e nelas permanecer por 60 anos.

Acontece que o Cruzeiro Sul era o braço desportivo da “União Social”, por razões a serem reveladas, mais à frente, quando se passar ao relato das origens do clube. Com relação a banda de música é bom lembrar que em antiguidade, as “da roça” estão também à frente, pois também são cachoeirenses as duas mais antigas do município, cada uma a contar mais de 150 anos. Entre os “trezentões” as duas lá existentes foram fundadas em 1932. Ainda nem saíram das fraldas, se comparadas às “da roça”.

Cachoeira do Campo há 100 anos

Em 1922, Cachoeira do Campo era um “brocotó” perdido nos cafundós de Minas, historicamente ligado à antiga Vila Rica (Ouro Preto), que fora capital da capitania, no período colonial, da província, no império após a independência e, do estado, depois de proclamada a República.

Igreja-matriz e coreto, símbolos da religiosidade e da tradição musical cachoeirense

Com o abandono de Ouro Preto à própria sorte, ao se mudar a capital para Belo Horizonte, todo o município de Ouro Preto, bem maior então, sofreu as consequências. Entretanto, há que se considerar  a economia, totalmente localizada, o que evitou que a tragédia fosse maior.

Os efeitos drásticos da covardia político-administrativa, praticada contra a população recaiu, em sua maior parte, sobre a antiga capital, onde a economia se desmoronou com a mudança da maioria das atividades laboriosas. Calcula-se que só em termos humanos, a cidade perdeu mais de 50% de sua população.

Essa perda não foi significativa nos distritos secundários, mas o status gerado pelo vínculo com a capital se desfez.

Em 1922, vivia-se o pós-Primeira Grande Guerra, encerrada em 1918, mesmo ano em que surgiu outro flagelo mundial, a pandemia erroneamente denominada “gripe espanhola”, que se extinguiu em 1920.

Neste sobrado, não mais existente na Praça Felipe dos Santos, pernoitaram o imperador Pedro II e sua esposa Tereza Cristina, início1889, quando em visita a Cachoeira do Campo. D. Pedro II foi o único goverante nacional a pernoitar m Cachoeira. Ele tinha propriedades aqui. (foto do acervo de Adão de Jesus dos Santos Carlos)

A maior parte da  economia cachoeirense girava em torno da lavoura, em pequena e média escala, acrescida do artesanato em couro cru, muitos desses profissionais a se destacar como artífices de grande valor. Outra atividade, embora já em declínio, desde a chegada da estrada de ferro (estação Dom Bosco a 14 Km do centro de Cachoeira) e da transferência da capital para Belo Horizonte, era representada pelas tropas de carga.

De Cachoeira do Campo partiam grandes tropas com destino a vários pontos de Minas e dos estados vizinhos, levando o que aqui, na região, se produzia, trazendo, na volta, mercadorias  e novidades dos pontos visitados.

Pessoas sobem a Rua Pe. Afonso de Lemos, popular “Ladeira” .À desquerda vê-se a antiga Padaria Dom Bosco e à direita o velho sobrado similar ao ainda existente na Praça Felipe dos Santos, com duas faces voltadas para a área pública. (foto do acervo de Adão de Jesus dos Santos Carlos)

Ainda não havia luz elétrica, que só seria inaugurada 6 anos mais tarde, 1928, graças aos esforços de um grupo de empreendedores locais. O meio de transporte mais comum era o cavalo, usado pelos de médios recursos, que podiam mantê-los, enquanto a pobreza andava mesmo era a pé.

A ponte a ligar a Praça Coronel Ramos (popularmente chamada “Garagem”, devido ao fato de ter ficado guardado o primeiro automóvel, que entrou em Cachoeira) ao antigo Largo do Bom Despacho (hoje Praça Benedito Xavier) tinha apenas 6 anos de existência, pois fora construída em 1916.

Ela é uma obra do governo do Estado, por intermédio da secretaria de Agricultura, cujo secretário era Olegário Maciel. Essa informação constava da placa de bronze, convenientemente, dali desaparecida depois de um acidente, idem

 A quem vê a placa atual, dá-se a impressão de que foi construída pela administração municipal, naquela data ali mostrada. Na verdade, a placa atual refere-se ao alargamento da ponte, que era muito estreita e insuficiente para suportar o atual fluxo de veículos.

Nesta casa, na “Ladeira”, até 1947, funcionaram as Escolas Reunidas Pe. Afonso de Lemos. Nela funcionou, também um cineminha de fim de semana, depois de cessadas as sessões do Oratório. (foto do acervo de Adão de Jesus dos Santos Carlos) .

Para viagens mais longas havia o trem, mas havia que se deslocar até a estação Dom Bosco, a 14 quilômetros de distância. Em razão da dificuldade de locomoção, muta gente nascia e vivia até idade adulta, mesmo até à velhice, sem conhecer outra localidade que  não o berço natal.

Para receber proventos do serviço público, realizar transações comerciais e muitas outras demandas havia a figura do procurador pago que, mediante documento próprio e específico, lavrado em cartório, evitava que o principal interessado se deslocasse, deixando assim de efetuar grandes despesas.

O procurador, naturalmente, atendia vários clientes, numa  só viagem, o que era vantajoso para si e também para os clientes. Imagine-se, hoje, confiar a terceiros a responsabilidade de cumprir essas tarefas! De um modo geral, esse era o ambiente em Cachoeira do Campo, há cem anos, quando um grupo de atletas amadores se reuniram e fundaram o CRUZEIRO DO SUL ESPORTE CLUBE.

Festa do Divino em Cachoeira, há mais de 100 anos, o que se comprova pela ausência do coreto, construido em 1923. Observe-se que mulheres não acompanhavam o préstito do “imperador” (foto do acervo de Adão de Jesus dos Santos Carlos) .

Discussão no “campo da praia

As “peladas” ou “rancas” eram disputados no “campo da praia”, ou  “campo do Oratório” e,  hoje, campo do Progresso. O campo era chamado “da praia” devido à fina e branca areia, depositada pelo Maracujá, por ocasião de suas cheias, então mais constantes.

Por incrível que pareça aos cachoeirenses atuais, Cachoeira do Campo já teve sua praia fluvial, modesta, é verdade, mas já teve. Era uma faixa branca  entre o campo e o rio.

O mesmo campo era usado pelo Cachoeirense Futebol Clube, fundado em 1916 e que se compunha de atletas seguidores divididos entre as duas bandas de música locais.

A disputa, às vezes um tanto acalorada  entre seguidores das entidades musicais, acabou por desenvolver entre os jogadores do Cachoeirense Futebol Clube sem, no entanto, prejudicar o espírito desportista, até que, em 21 de abril daquele ano, 1922, o caldo entornou de vez com uma discussão mais raivosa. Foi quando a facção liderada por Antônio Sabino dos Santos abandonou o campo.

Corrida ao campinho do alto do cruzeiro

Enquanto isso ocorria no campo da praia, grupo de meninos ‘tiravam um ranca” com bola de meia, recurso muito usado, na época, pois o preço de uma bola, de verdade, fugia às condições e posses da maioria dos garotos.

Antônio Sabino dos Santos fundador do
Cruzeiro do Sul Esporte Clube

Eles se reuniam num campinho, por eles mesmos formado, depois de erradicar muitas  árvores de fruta-de-lobo , cercadas por altos montes de terra de formigueiro. À sombra de um antigo cruzeiro de madeira, tal campinho se situava acima da Rua do Rego (que ligava o açude à rua São José).

Por desmazelo político, ignorância e desconhecimento da história local, tal rua é, hoje, dividida em duas de nomes diferentes.

De repente, um garoto miúdo chegou esbaforido a gritar: Eles  vêm bater “ni nóis”; vão tomar o campo “di nóis”. O ranca parou e todo o grupo quis saber do que se tratava. O menino arquejava de cansaço e quase não conseguia articular as palavras direito. Depois se soube o porquê; havia corrido desde o campo da praia até aquele ponto, sem parar.

O garoto magrinho era Felisberto Fernandes, conhecido como Berto, que viria ser pai de numerosa família, muitas filhas e filhos, entre os quais o Juca “Barbeiro” e o Wilson Fernandes, mais conhecido como Antônio Magrelo.

Ele queria prevenir o grupo de companheiros do “perigo”, que corriam, pois ouvira o Antônio Sabino dizer aos seus seguidores: “vamos para o alto, junto ao cruzeiro!” Os garotos ficaram muito apreensivos, mas fazer o quê?

Os que vinham em sua direção eram adultos e, portanto, não lhes cabia reação; era tão somente aceitar a situação.

Mais um pouco de espera, chegou o grupo do Sabino. A meninada estava muda, paralisada e desapontada. Sabino percebeu a situação e se pôs a desfazer a resistência, que teria havido, se eles não fossem crianças, no início da adolescência e adolescentes, de fato.

“De agora em diante, nós estamos com vocês; vamos colaborar e transformar este campinho num campo de futebol verdadeiro. E como estamos diante desta grande cruz, o time que nasce agora se chamará Cruzeiro do Sul”, concluiu Sabino.

Foi surpresa geral para a garotada! Do quase choro, os garotos passaram a vibrar de alegria. Não pensavam que fosse assim acontecer. De fato, Antônio Sabino passou a tomar todas as providências no sentido de que o clube fundado se consolidasse.

Apoio da banda

Tanto entre atletas adultos quanto entre adolescentes havia músicos e aprendizes de música na Sociedade Musical União Social, ou “Banda de Baixo”, que era  dirigida e regida pelo mestre Randolfo de Lemos. Isso foi muito importante, porque Randolfo de Lemos estava sempre disposto a dar apoio a boas iniciativas. Outro fator contribuiu para que ele aderisse à causa; entre os garotos do campinho das frutas-de-lobo estavam alguns dos seus filhos.

Sabino, que se  relacionava bem com todos, conseguiu mais apoios e o Cruzeiro do Sul pôde assim se firmar.

Duas frentes de trabalho

Havia que trabalhar em dois objetivos prioritários: a transformação do campinho em campo de futebol, de fato, e aquisição de material futebolístico.

Os trabalhos de construção do campo tiveram início imediato, sob a liderança do Sabino, auxiliado por outros que se aliaram à causa, ao saberem dos fatos acontecidos  no dia 21 de.  Abril.

Sociedade Musical União Social em foto de 1914. Em 1922 devia ter, mais ou menos, a mesma figuração

Um grupo cavava a parte mais alta, no comprimento do campo, e a terra retirada era transportada por outro grupo, que atravessava no sentido da largura para depositá-la na parte baixa, até fazer o nivelamento.

Era trabalho duro com enxadas, enxadões, pás e picaretas. O transporte da terra era o mais difícil devido ao grande volume. A melhor solução seria o aluguel de, pelo menos, uma carroça, pois veículo motorizado ainda não havia em Cachoeira, mas, cadê dinheiro?

Mas, em grupos a compartilhar esforços em torno de um ideal, ideias florescem, Foi assim que alguém sugeriu o emprego de couro cru para o transporte da terra.

Randolfo de Lemos, quando não ocupado com música e com banda, sua segunda família, era proprietário de um abatedouro de bovinos, razão pela qual alguns emissários do Cruzeiro do Sul o procuraram.

Mestre Randolfo de Lemos, em recorte de foto 1914

Explicaram-lhe a ideia de usar o couro para transportar a terra e esperavam contar com colaboraçãodele no fornecimento do material.

Foi, então, com o uso do couro que os cruzeirenses pioneiros   conseguiram arrastar toda a terra retirada de um lado para aterrar o outro; e foi muito couro gasto, porque o material não aguentava o atrito com o solo por muito tempo. Contudo, Randolfo de Lemos não deixou a peteca cair, fornecendo todo o couro, gratuitamente.

Assim teve início o conhecido Campo do Cruzeiro que, ao longo do tempo, foi ganhando melhoramentos até  atingir o estágio atual.

Fundo financeiro

Enquanto o grupo acima se preocupava com o campo, movendo terra de um lado para o     outro, o grupo das finanças corria de casa em casa, especialmente as de “barbeiros” (seguidores da Banda de Baixo) e de localidade em localidade, discorrendo sobre o clube recém-fundado e envolvendo as  pessoas no projeto, mediante colaboração financeira.

Uma comissão de 5 pessoas, cada qual com uma lista, ficou encarregada de fazer a coleta, cujo resultado está demonstrado abaixo:

A moeda da época era o “mil réis”  assim grafado 1$000 (um mil réis)

RESPONSÁVELLOCALIDADEVr. arrecadado
José Fernandes dos ReisBelo Horizonte35$000
Carlos de Paula Cruz (Sô Carrinho)Tabões e redondezas26$000
Inácio Fernandes de Deus (Inácio ‘Polaina”)*Cruz do Monge, Sto. Antº Leite e Engenheiro Correa19$000
Serafim crisóstomoCachoeira do Campo34$000
Irmãos Romão da CostaCachoeira do campo46$000
TOTAL ARRECADADO                           160$000

                                                                                                                         (cento e sessenta  mil  réis)

*Obs. Importante: Cruz do Monge ou Cruz dos Monges, como preferem outros, é o planalto onde se situam a antiga e pequena capela de São Sebastião e o moderno CAIC Filipe dos Santos. Quem morava ali era tão somente o Inácio “Polaina” que estando no caminho para Santo Antônio do Leite, ficou responsável por aquela região. A ligação de Cachoeira do Campo com Santo Antônio era por aquela região a partir do final da Rua São Francisco. Por incúria das sucessivas administrações municipais, desmazelo político e acomodamento do povo, alterações na toponímia local são feitas, desrespeitando-se tudo e a todos. A Vila Alegre, de fato, tem início onde termina a Rua São Francisco e bairro do mesmo nome, terminando onde se situa uma antena de telefonia celular. Ali tem início o bairro Cruz do Monge. Cabe à PMO fazer essas delimitações, respeitando-se os nomes originais, para que não  se percam dados da memória histórica local.  História não se fez e não se faz, tão somente lá no distrito-sede, reduto dos “trezentões”; fez-se e se faz também “na roça”!

Com o recurso arrecadado, a administração do clube pôde adquirir :

2 jogos de camisas

2 bolas nº 5

2 bolas nº 3

+ todos os apetrechos usados, na época, como bomba-de-ar, agulha para fechar a bola, câmaras de ar e tubos de cola “Michelin” para colar a câmara de ar.

Curiosidade que, talvez, praticantes do futebol, hoje, não conheçam

Em 1922 a bola não vinha prontinha, redondinha. Havia que montá-la, introduzindo a câmara pela boca da capota de couro e enchê-la, até capacidade suficiente para, em seguida, depois de bem vedada a câmara, costurar a capota com tiras de couro. Nem sempre a bola ficava redonda, às vezes era meio bicuda. Passaram-se muitos anos, até que surgiu a bola, então chamada tipo “argentina”, já montada.

Outra lista no link abaixo

https://imgur.com/a/W31jnE9

A meninada

Uma das prioridades do Sabino foi a meninada que, segundo ele, seria a continuidade e consolidação do clube. Passou a ensinar-lhes tudo sobre o esporte em meio a orientações quando ao companheirismo, lealdade e respeito para com todos. Em pouco tempo, o Cruzeiro do Sul já contaria com equipe infantil a se apresentar em preliminares. Os agrotos em entravam em campo, em fila indiana, a cantar “Cisne Branco” (canção dos marinheiros), cuja letra era uma versão adaptada.

O primeiro time mirim era assim formado: Olímpio, Bambino e Joãozinho; Dega, Gegeno e João; Lucas, Lúcio, Brito. Juquita e Formigasegundo time: Tico-tico, Quinquim e Coriu; Companheirão Zé Pimenta; Tium, Ramiro, Assis e Mimiro. Reserva: Cundum, Zé Campos,, Jombra, Suim e bolacha. Nomes civis pela mesma ordem:Olímpio Catarino Santos,João G. de Magalhães e João G. da Silva; Benedito Gonçalves, Eugênio C. Lemos e João Gualberto de Lemos Neto;Lucas Evangelista de Mgalhães, Lúcio Rodrigues da silva, José Tibúrcio de Brito, José Rodrigues da Silva e Joséazré Firmino Dias. Luíz Marcelino dos Santos, Joaquim de Lemos e Geraldo Rodrigues da Silva, Henrique de Lemos Ciconni,  Antônio Santiago Dias e José Pimenta da Anunciação- Joaquim Nazaré de Magalhães, Ramiro de Lemos, Luiz de Assis Costa, JoãoTimóteo da Paz e Waldemiro G. de Magalhães. Antenor Rodrigues, Jossé Campos e Joaquim silva, Benedito e Geraldo Silva.

Equipe da estreia

A  estreia do Cruzeiro do Sul Esporte Clube se fez com a seguinte equipe: Antônio Carlos, Caré e Zé Tibúrcio; Nico Zé Brasil e Berto;  Zé Luiz Serafim, Sabino, Zezé e Fulô. Nomes civis na mesma ordem: Antônio Carlos Rodrigues,, Benedito Gonçalves de Magalhães e José Tibúrcio de Magalhães; Nicomedes Fernandes, José Braz Ferreira Bretas e Felisberto Gonçalves da Silva; José Luiz Ludgero, Serafim Fernandes de Magalhães, Antônio Sabino dos Santos, José de Lemose florentino Fernandes dos Reis. Segundo time: Zé Rolão. A. Ludovico e Esquindim; A. Justino, Faustino e Antenor; Palma, Duredure, b. Paco, Breta e Paranha.

Nomes civis, na mesma ordem: José Domingos da Costa, Antônio Fernandes da Costa e José Fernandes dos Reis; Antônio Justino Ferreira, Faustino Romão da Costa e Antenor Romão; Benedito Gonçalves Campos, Antônio Ferreira Bretas e Geraldino Rodrigues  Paranhos

Primeira diretoria constituída

Nos primeiros meses de atuação do Cruzeiro do Sul, as ações foram coordenadas sem que houvesse uma estrutura administrativa. Tudo era resolvido de comum acordo entre os que situavam à frente do projeto, tendo o Sabino como líder. Entretanto, ele mesmo estimulava outros a que se organizassem, discutissem e constituísse uma diretoria, pois queria se dedicar, exclusivamente à parte desportiva.

Manoel Ferreira Bretas, primeiro presidente do Cruzeiro do Sul

Foi assim que, no dia 24 de dezembro daquele mesmo ano, 1922, o grupo de frente se reuniu na casa de Manoel Ferreira Bretas (avô dos irmãos Bretas, artesãos em pedra-sabão). Daquela reunião, então, depois de algumas trocas de informações e análise das ações já desenvolvidas, saiu  a primeira diretoria do Cruzeiro do Sul Esporte clube.

Ela foi assim constituída: presidente – Manoel Ferreira Bretas; vice-presidente – José Domingos da Costa; secretário – Antônio Paranhos Ramos; tesoureiros – José Braz Ferreira Bretas e Faustino Romão da Costa; diretor esportivo – Antônio Sabino dos Santos; diretor social – Serafim Crisóstomo de Magalhães. Suplentes de diretoria: Nicomedes  Fernandes da Costa, Antenor Romão da Costa e José Fernandes dos Reis.

Contando com amplo apoio da banda “União Social” por intermédio do seu diretor e maestro Randolfo de Lemos, do qual alguns filhos eram integrantes como atletas, o Cruzeiro do Sul firmou com mais um selo seu vínculo com aquela banda de música; seu primeiro presidente, Manoel Ferreira Bretas era também integrante músico da mesma banda, na qual tocava sax-horn.

Registre-se ainda uma curiosa coincidência, segundo informação sempre comentada pelo mestre Randolfo de Lemos com o autor desta página digital. Embora o fato não estivesse registrado, ele teria ouvido de seus antecessores músicos, que a primeira apresentação pública fora na noite de Natal.

De fato, enquanto Randolfo vivo (faleceu em 1962), a banda manteve a tradição de se apresentar antes da “Missa do Galo”, a partir das 22h00, em frente à igreja-matriz, Praça Felipe dos Santos. Desconhece-se apresentação de banda de música, na mesma ocasião, em outras localidades.

Consolidação do novo clube

Assim como na construção do campo, campanha pelo fundo financeiro, organização e desenvolvimento da equipe desportiva, que contava vários integrantes músicos da banda, a S.M. União Social contribuiu com a administração, em todos os sentidos, incluindo-se sua sede que passou a ser o local, onde a administração do  Cruzeiro do Sul se reunia.

Em resumo, o Cruzeiro do Sul Esporte Clube nasceu como braço desportivo da Sociedade Musical União Social. Não tinha personalidade jurídica própria, mas contava com todo apoio da entidade musical, para que se desenvolvesse e realizasse as atividades próprias do seu gênero.

Havia perfeita harmonia entre as partes, destacando-se a prioridade dada à banda quanto à

realização de suas atividades. Como o Cruzeiro contava atletas nas fileiras da banda, o clube só contratava jogos para ocasiões em que a banda estivesse livre.

Isso funcionou até os anos 60, quando o clube, desejoso de participar de campeonatos, viu-se na contingência de se registrar e seguir as normas das entidades do gênero, incluída a Liga Esportiva Ouropretana – LEO . A partir de então, foi rareando a presença de atletas na banda, até desaparecer.

Quando este autor ingressou na banda, em 1955, vários músicos eram jogadores do Cruzeiro do Sul, assim como Nilton Viana (tenente), Antônio Paranhos (Precata), Hélvio Bruno de Lemos, Benedito Ribeiro (Sô Félix). Desses, está presente ao centenário do Cruzeiro do Sul, o Nilton Viana (Tenente), ex-bombardinista da banda.

Hino e carnaval

Como todo clube desportivo que se preza, o Cruzeiro do Sul tem seu hino, praticamente, desde suas origens no antigo campinho de “ranca”, cercado por árvores de fruta-de-lobo. Inexplicavelmente, a música não foi composta como tal, porém adotada de uma marcha carnavalesca  que, segundo consta, é de autoria de Agaó.

Este não seria o nome do autor, mas a pronúncia de suas iniciais, HO, conforme era costume entre alguns compositores. Diz-se inexplicavelmente, porque a letra é de Joaquim de Lemos (Quinquim), muito bom compositor, dom herdado do pai Randolfo de Lemos. Nem mesmo a instrumentação ele fez, pois confiou ao maestro Dunga (Itabirito).

Hino do Cruzeiro do Sul Esporte clube

Como não lhe foi perguntado o porquê da adoção e não composição própria, ficamos no escuro quanto a isso. Talvez tenha ele próprio se empolgado com a  melodia, tão vibrante e capaz de animar qualquer grupo de pessoas. Quando tocado e cantado em bailes de carnaval, tinha o poder de arrastar a todos para o meio do salão.

Ao falar em carnaval, há que destacar a importância do Cruzeiro do Sul, na época em atuava na condição de departamento desportivo da “União Social”. Se a banda tinha os músicos e a música, o Cruzeiro organizava o resto da festa. Sua participação era determinante na organização do evento  e como fator de empolgação dos foliões.

 Até início dos anos 60, o carnaval se fazia com músicas próprias, que o rádio divulgava a partir de setembro. No início de dezembro, músicos que tocavam instrumento  usado no carnaval formavam a orquestra e iniciavam os ensaios das músicas, enquanto a equipe do Cruzeiro se dedicava a organizar o cordão para o desfile de rua.

As músicas e respectivas letras, a banda as recebia em grossos livros das entidades representativas dos compositores (SBACEM-Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores de Música) e (UBC – União Brasileira de Compositores).

 Escolhidas as músicas a serem executadas, as respectivas letras eram distribuídas à equipe do Cruzeiro, que coordenava os ensaios do canto. Quem quisesse participar do cordão azul e branco (cores da União Social, herdadas pelo Cruzeiro) havia que estar com as letras na ponta da língua e as melodias no fundo do gogó.

Para que isso fosse cumprido, o salão era ocupado com algo a impedir que fosse usado para dança, quando o momento era de  tão somente canto, mais propriamente ensaio de canto. Depois de alguns ensaios dessa forma, o salão era liberado e a dança permitida, ensejando então a escolha de destaques como puxadores do cordão, linha de frente, porta-bandeira etc. Cabe aqui uma explicação sobre o que eram cordões carnavalescos.

Ao contrário  dos blocos de hoje, desorganizados e do tipo “vai-quem-qué”, os cordões eram previamente formados, organizados por pares dançantes, que desenvolviam coreografias livres. Havia que ter preparo físico pois, na rua, figurante não podia parar.

Para o cordão, a fantasia era obrigatória, mas nem todos tinham condições de arcar com os custos, embora fossem simples e não tão caras. A equipe do Cruzeiro do Sul se virava, recorrendo aos sócios, torcedores e amigos para cobrir os custos daquelas fantasias.

Amigos eram muitos e não daria para  nominá-los sem incorrer em injustiça. Cachoeira do Campo era uma comunidade pobre, mas a solidariedade se fazia presente em todas as horas. Outro grande e tradicional apoio, dado à banda, estendeu-se ao Cruzeiro do Sul; era da fábrica de chinelos, dos irmãos Lemos (Theodolino, ou, “Dulino”/José Vicente/Joaquim, ou, “Sô Quiu”.

De lá vinha ajuda de várias formas: materiais diversos, caminhão e mão-de-obra, na medida do possível. Para o carnaval muita coisa  se improvisava na fábrica que, eventualmente, servia também como esconderijo de carro alegórico, para não quebrar a surpresa, especialmente diante da concorrência. Quanto a isso, registre-se que houve carnaval em que um carro alegórico foi montado no mato e coberto de lona, para ser conduzido e escondido na fábrica, na calada da noite. Era assim; dentro do legal, fazia-se o impossível para a obtenção do sucesso! E olhem que havia poucos veículos e, praticamente, nenhuma rua a permitir tráfego sem problemas.

A evolução do campo de futebol do Cruzeiro do Sul

Do campinho de “ranca”, no meio das frutas-de-lobo, o campo passou por fases de melhoramentos, até chegar ao estágio atual, com todas as dificuldades inerentes a entidades, cujos recursos não vão além do necessário para se manter.

Basta dizer que gramado não havia até os anos 80, tendo sido plantado em etapas, pois várias tentativas falharam. Durante, mais ou menos, sessenta anos, ele era chão duro, constituído por terra vermelha, a colorir o colorir o uniforme do atleta. Contudo, nesses 100 anos, houve tentativa de o Cruzeiro do Sul ter seu campo em outro local.

Isso mesmo! Talvez muito poucos se lembrem, mas o Cruzeiro fez, pelo menos, uma tentativa. Crê-se que entre os anos de 1948 e 1950, quando este autor contava entre 8 e 10 anos de idade. O novo campo seria, atrás do Oratório Dom Bosco, um pouco acima do ponto onde é o campo do Oratório. O terreno, então, pertencia ao Sabino.

Grupo dos primeiros oratorianos, os “meninos de Dom Bosco”. O Oratório Dom Bosco foi criado na igreja das Mercês, tendo por área de recreio a pracinha, que havia atrás da igreja. Somente mais tarde, construiu-se o espaço atual(foto acervo de Adão de Jesus dos Santos carlos)

Se a empreitada tivesse chegado ao objetivo, teria sido uma grande façanha, pois ali era um conjunto de voçorocas, chamadas valos, “valos do Oratório”. Torreões de terra mais firme alternavam-se com fossos, alguns bem profundos, incluindo-se lagoa, contornada por um barro viscoso, formada por águas de chuva. 

Embora perigoso, o local era usado por garotos, incluído este autor, não integrados a outras atividades recreativas, para brincar de  faroeste, uma imitação de cenas vistas em filmes do gênero, exibidos no cineminha do Oratório, assim como das histórias lidas em revistas de quadrinhos, os então conhecidos gibis.

Interessante observar que, embora perigoso, reconhece-se, felizmente nenhum acidente vitimou qualqu’er garoto. Observe-se, ainda que a meninada via filmes de faroeste com toda aquela violência, imitava suas cenas e, no entanto, nenhum virou bandido.

Oratorianos em volta do “poste gigante”,ainda atrás da igreja das Mercês. O brinquedo era muito apreciado, até mesmo por adultos. Assemelhava-se à “sombrinha” ou “cadeiras voadoras”dos parques de diversão. A diferença está nofato de, nos parques, o briquedo ser passivo (sem ação do participante) enquanto que o “poste gigante” necessitava ser impulsionado pelos próprios participantes. foto acervo de Adão de Jesus dos Santos carlos)

Não se trata de apologia à violência ou à sua encenação, mas de registrar que ninguém se deixou influenciar; a explicação talvez esteja educação recebida, àquela época, por infantes e adolescentes.

Bem, voltemos à construção do campo. Por algum tempo, um trator trabalhou no local, a mover terra de um lado para outro, derrubar torreões e entupir buracos.

Certo dia, da janela de sua casa, na Rua Santo Antônio, este autor viu quando, numa manobra, o trator rolou para o fundo. Pôde também notar que o tratorista saltou antes.  Posteriormente, constatou-se que metade da máquina ficara atolada na lama. Aquele foi o fim da construção do novo campo.

Oratorianos em visita ao Colégio dom Bosco (foto acervo de Adão de Jesus dos Santos carlos)

Em seguida, um zum-zum sob a forma de cochichos, mesmo entre garotos, falava de sabotagem, que não fora acidente e que o tratorista teria sido  pago para jogar o trator… teria sido verdade? O fato é que a construção morreu ali e nada mais se fez com  o mesmo objetivo.

Altos e baixos

Como qualquer entidade, o Cruzeiro do Sul também teve altos e baixos, nesses cem anos de sua trajetória histórica; períodos de muitas atividades desportivas, conquistas, excursões memoráveis enriqueceram a memória do clube e alegraram seus seguidores, mas, também  não faltaram momentos de letargia, quando pouca ou  nenhuma atividade se desenvolvia, levando alguns ao desânimo, como se tudo tivesse terminado.

O primitivo campinho de “peladas” entre frutas-de-lobo evoluiu para esse estádio

De repente, um fato novo, uma iniciativa feliz fazia voltar o ardor cruzeirense e todos vibravam novamente. O   fato de ter surgido e se mantido como departamento desportivo da Sociedade Musical União Social – SOMUS muito contribuiu, para que o espírito desenvolvido pelos pioneiros não se apagasse. A música é o objetivo da SOMUS, mas entre seus integrantes  conservava-se o ardor pelo que representava o Cruzeiro do Sul; também por isso, não se apagava, facilmente, a chama cruzeirense.

“Aeroporto de emergência”

Entretanto, um bom período de inatividade desportiva teve causa insólita, fora do normal e à revelia da vontade de quem quer que fosse. No início dos anos 50, os aviões eram a hélice e voavam em baixa altitude, comparando-se com os jatos de hoje, entre 10 mil e 12 mil metros de altura, razão pela qual estes últimos pouco são vistos e ouvido seu ruído.

Naquela  época a maioria era de bimotores, algum quadrimotor e os monomotores, em bom número. Havia mais barulho no céu do que no chão, em Cachoeira, onde predominavam latidos de cães, cantos de aves e algazarra de crianças.

Aliás, crianças àquela época, eram mais barulhentas! Ronco de avião era coisa comum, muito mais do que de um ou outro caminhão a se aventurar na antiga e poeirenta estrada de terra. De vez em quando, ainda éramos brindados com show aéreo.

Pai ou parente de algum aluno interno do Colégio Dom Bosco, piloto e bom acrobata aéreo, fazia-lhe visita sem, no entanto, vê-lo de perto. Chegado sobre a área do colégio, dava alguns voos rasantes, e, em seguida, passava a fazer acrobacias. Interessantes e emocionantes momentos a quebrar a rotina diária local!

Em certa manhã daquelas, monomotor começou circular sobre Cachoeira;  a princípio, à boa altura, mas não demorou a baixar um pouco, o que nos levou a imaginar que seria mais uma série de acrobacias, mas ele não rumou para o colégio.

Deu alguns voos rasantes, subindo um pouco, a seguir. Foi aí que se ouviu um barulho estranho: o ronco do motor era entrecortado por um   rrrrrrrtatatatata seguido de silêncio e mais uma vez o ronco normal.

Quem estava de olhos voltados para cima – creio que maioria devesse estar – começou a rezar e pedir: se essa coisa tem que cair, que vá cair lá longe! Já havia gente a fazer promessas, para se evitar o desastre!

Ele baixou mais, deu outras voltas, tomando por fim o rumo do colégio, e, numa curva mais aberta voltou sobre a parte mais alta da Rua São Francisco, cruzando-a quase a roçar sobre as folhas das bananeiras com o motor apagado. Vai cair no açude – pensei. Mas logo, em seguida, ouviu-se novamente o ronco e ele já estava a baixar no campo do Cruzeiro do Sul.

Bateu com a ponta da asa na trave, o que o fez pender para um lado e tocar forte o solo com uma das rodas, que se desprendeu. Isso deve ter salvado a vida do piloto ou evitado que se ferisse gravemente.

O gancho, sem a roda, a se arrastar no chão, ajudou na frenagem do aparelho, que se imobilizou no meio do campo; e o piloto, mudo de susto, com as mãos agarradas ao manche. Foi assim que, por um momento, o campo do Cruzeiro foi “aeroporto de emergência”!

Outros casos similares na região

Esse não foi o único caso de aeronave descer, emergencialmente, na região. Anteriormente, em 1949, um teco-teco, aeronave básica, muito simples, aterrissou, tranquilamente, na Vargem (baixada entre Cachoeira do Campo e Amarantina).

A causa pareceu ter sido falta de combustível que, logo após ter sido providenciado, fez o aparelho levantar voo no mesmo espaço, que era plano e coberto de grama.

Pouco tempo depois, ainda em 1949, outro avião desceu em Amarantina, junto ao campo de futebol local, depois de assustar a população com voos rasantes  e quase bater na torre da igreja. O aparelho não sofreu grandes danos e o piloto saiu-se bem.

No ano seguinte, foi a vez da população de Santo Antônio do Leite ser assustada com o sobrevoo de um avião em pane, que acabou caindo junto ao cemitério. Esse acidente foi mais sério, pois bateu no muro do cemitério e se despedaçou. Não tenho recordação quanto à sorte do piloto.

Repórter de ocasião

No ano 79 DC,  dia 24 de agosto, as cidades Herculano e Pompeia, integrantes do império romano, foram destruídas por violenta e prolongada erupção do Vesúvio.

Do triste episódio, que vitimou milhares de pessoas, talvez não nos chegassem detalhes daqueles momentos de horror, se não tivesse sido testemunhado por alguém com espírito jornalístico, quando nem havia imprensa.

Plínio, o Moço, fora do alcance da erupção descreveu a tragédia, entre cujas vítimas estava seu tio e tutor, Plínio, o Velho. Ambos eram destacados intelectuais, muito próximos ao imperador romano.

Do Brasil, as primeiras páginas da história foram escritas por Pero Vaz de Caminha, escrivão nomeado junto à esquadra de Cabral; aliás uma forte evidência de que a descoberta não foi por acaso.

Do Cruzeiro do Sul, se não fossem os olhos e ouvidos atentos de Joaquim de Lemos, mais conhecido como “Quinquim”, só conheceríamos a história mais recente. A este autor coube apenas dar forma literária aos registros feitos e preservados por Quinquim, filho de Randolfo de Lemos, que estava entre os adolescentes do primeiro quadro infantil do então nascente Cruzeiro do Sul.

Joaquim de Lemos, o “Quinquim” escreveu a letra do hino

Quinquim não foi além dos primeiros chutes, pois voltou totalmente sua atenção à música, junto ao pai. Como músico ele se destacou como instrumentista, arranjador e compositor. Seus instrumentos preferidos eram o saxofone alto, o violino, o violão, mas tocava também instrumentos de bocal, a tuba, por exemplo.

Escreveu a letra do hino cruzeirense, não se sabendo por que não escreveu também a música, já que  talento e capacidade não lhe faltavam,  bem como empolgação em torno das atividades  do Cruzeiro do Sul.

Na banda tocava mais  o sax, na orquestra sacra (para igreja) tocava violino, mas ainda arrumava tempo para formar um “regional”, termo da época para designar conjuntos voltados para a música popular (valsa, samba, choro e outros ritmos), sem desprezar alguns clássicos.

Por ocasião do carnaval, cabia a ele formar a orquestra, escolher as músicas, coordenar os ensaios e as atividades musicais nos três de folia. Da minha infância guardo a lembrança de muitas serenatas, de fim de semana, por ele comandadas.

Para sustentar a família, que não era pequena, Joaquim de Lemos, exercia o cargo de secretário no Colégio Dom Bosco. Quando quase  todos os filhos já adultos, Joaquim de Lemos e família mudaram-se para o Paraná, cidade de Nova Esperança e, de lá, para São Paulo, capital, onde, para confirmar sua vocação, acabou por aposentar-se como funcionário de uma grande indústria de instrumentos musicais.

Considerações finais

Quando, em momento crucial (1977) da “União Social”, assumi sua presidência com o propósito de evitar seu desaparecimento, o Cruzeiro do Sul estava em vias de obter seu registro como pessoa jurídica, o que lhe daria condições de participar de certames na região.

Na condição de departamento de outra instituição isso lhe era vedado. O registro foi efetuado e, na ocasião, o campo de futebol e área adjacente foram registrados como seu patrimônio; nada mais justo, uma vez que a agora instituição desportiva ocupou aquele espaço e dele fez uso para o exercício de suas atividades.

A partir daí, os laços, antes firmes e estreitos, entre a equipe desportiva e a banda de música, foram se afrouxando. Contudo das atividades sociais, na sede em comum, continuaram a sair recursos para a manutenção do clube.

Isso continuou a ser a feito até quando, por força de mudança nos costumes, as atividades recreativas (horas dançantes, bailes etc.) foram se rareando até se extinguirem, por completo.

Antes que isso acontecesse, questionamentos sobre as atividades da banda de música levaram a estremecimentos entre as duas entidades. Cachoeirenses “nativos”, nem tanto, mas, os “por adoção”, ligados ao Cruzeiro do Sul, reclamavam quanto aos gastos com a banda que, segundo eles, “sugavam” recursos que seriam do esporte.

Explicava-se a eles a precedência da banda, fundada 58 anos antes do Cruzeiro do Sul, que ela própria ajudara a criar e manter até aquele momento, mas continuavam a bater na mesma tecla.

Houve até quem quisesse se apossar da sede social para o Cruzeiro do Sul, por este ter participado da construção do atual prédio, no mesmo terreno do antigo, para isso demolido e que fora adquirido pela União Social, por volta de 1910, por intermédio do então regente e diretor, Randolfo de Lemos.

Não se sabe se por ingenuidade ou mesmo maldade, alegava-se que, por ter contribuído na construção, o clube teria direito ao prédio. Ora, quando isso aconteceu, o Cruzeiro do Sul  ainda era departamento da Sociedade Musical União Social – SOMUS.

Se quisesse, a SOMUS poderia ter registrado, em seu nome, todo o imóvel em que se situava o campo de futebol, mas não o fez, respeitando o direito de origem; mas nem isso os descontentes reconheciam.

Certa vez, durante excursão desportiva a Ouro Preto, uma dessas pessoas foi flagrada a dizer que o clube mantinha uma banda de música; isso porque alguém perguntara como o clube conseguira a presença de uma charanga a tocar no campo.

Picuinhas contra o então presidente da SOMUS

O fato de o presidente da SOMUS, àquela época, não gostar de futebol era muito explorado em defesa da tese de que o clube era prejudicado por ele. Nada os fazia entender que o Cruzeiro do Sul, não tivera autonomia até aquele momento e que mesmo depois de sua autonomia jurídica, continuava na dependência econômica e no uso da sede social, por solidariedade e liberalidade da SOMUS.

Por diversas vezes, o então presidente da SOMUS foi hostilizado por diretores do clube, que persistiam na tese de que a banda de música os prejudicava. Interessante notar que o presidente da SOMUS, por não gostar de futebol, prejudicava o clube, segundo entendimento de alguns diretores, mas por várias vezes em que houve necessidade de alguém em defesa do clube, não compareceram aqueles, mas o residente da SOMUS. Veja-se, a seguir, três desses momentos.

Desvio de terra

Quando se iniciavam as tentativas de gramar o campo, terra de boa qualidade para plantio estava para ser removida de um terreno, para que ali se edificasse uma casa.

O proprietário do terreno, sabedor de que o pessoal do Cruzeiro do Sul estava empenhado no trabalho de se ter um gramado, ofereceu a terra a ser removida. Os diretores do clube, por sua vez, conseguiram que um caminhão da prefeitura, em serviço de transporte de material na mesma região, pudesse transportar a terra em seu retorno.

O trabalho começou, mas, numa das viagens, um vereador, ao ver a terra sobre o caminhão, perguntou qual seria seu destino. Informado de que seria o campo do Cruzeiro do Sul, o edil ordenou ao condutor outro destino para a terra.

Ao tomarem conhecimento da contraordem, diretores do clube ficaram brabos , cuspiram fogo no vereador, mas ninguém apresentou uma solução ou se dispôs a uma conversa cara a cara com o político intruso.

Informado sobre o acontecido, o presidente da SOMUS se pôs em ação. A coisa estava toda errada! O vereador não era dono da terra e, portanto, não podia destiná-la a ninguém; vereador também não é funcionário municipal e, portanto, não pode se intrometer nos serviços do Executivo, dando contraordens a torto e direito.

O presidente da SOMUS interpelou, por carta, o vereador envolvido, entregando ele próprio o documento ao destinatário, para que dúvidas não pairassem sobre o recebimento; fez também comunicado do fato à mesa diretora da Câmara Municipal e ao chefe do serviço, ao qual respondiam o condutor e seu encarregado. 

Feito isso, aguardou-se a reação, que não foi além da mansa interrupção da intromissão. O vereador intrujão não tugiu, nem mugiu; e da direção do clube, afora o falatório, não se viu mover uma palha na solução do impasse.

Invasão de área do clube

Em oura ocasião, um zunzum começou a incomodar diretores, atletas e seguidores do Cruzeiro. Segundo o que se dizia, estava para ser edificado, em área de npropriedade do Cruzeiro do Sul, um conjunto habitacional destinado a policiais militares.

Entretanto, não se conseguiu confirmar a informação e nem detectar a fonte. Percebia-se ser  boato plantado por alguém com a nítida intenção de causar confusão.

Se fosse verdade, a parte interessada já teria procurado os proprietários da área, já devidamente registrada, o que garantiria desapropriação de acordo com a lei.

Passaram-se alguns dias e, de repente, um “loteamento” surgiu na área remanescente acima do campo; cerca de 15 lotes, amanheceram cercados. Foi outro bafafá, mas, assim como no caso da terra desviada, nenhuma providência surgiu de qualquer diretor do clube.

Coube, novamente, ao presidente da SOMUS, a iniciativa de comunicar o fato à Polícia e levar dois policiais militares ao local,  onde e quando foi determinado a dois ou três dos invasores presentes, que retirassem todas as cercas.

Com a intervenção dos policiais militares, cria-se ter cortado, pela raiz, a intenção de invasão, mas estávamos enganados  e isso confirmava as suspeitas de haver alguém por trás do boato inicial e, em seguida, a invasão.

Quem manipulava os acontecimentos imaginava que o imóvel fosse devoluto e não propriedade registrada. Chegou intimação da Delegacia de Polícia, onde representante do Cruzeiro do Sul deveria comparecer munido de documentos que comprovassem a propriedade da área reivindicada.

Inversão de valores, muito comum na atualidade,  mais uma vez se constatava. O proprietário da área não chegou a apresentar denúncia contra os invasores, mas estes apresentaram contra o Cruzeiro do Sul, que compareceu à Delegacia, representando pelo presidente e pelo tesoureiro da SOMUS, sem advogado.

Os reivindicantes, lá estavam todos. muito à vontade, tendo junto conhecida advogada, que se apresentava com ares de vitoriosa. O policial encarregado do caso abriu a audiência, explicando do que se tratava e providências seguintes, a depender do que se apurasse naquele momento.

De posse do documento apresentado, ele passou a tecer considerações sobre ele, como fora adquirido, data de aquisição e, por fim, o registro. Em seguida, dirigiu-se aos reivindicantes e os advertiu de que poderiam continuar com ação, mas que perderiam; não havia como obter sucesso na ocupação do imóvel, pois estava garantida a propriedade ao Cruzeiro do Sul mediante escritura registrada.

Nesse momento, a advogada redarguiu ao policial, dizendo: – “esse documento não vale nada e eu o derrubo em dois tempos”.

Foi quando o presidente da SOMUS, percebendo a jogada para impressionar seus clientes e tocar a ação para frente, atravessou com o repto:

– Se esse documento nada vale, nada mais vale no Brasil; nem o seu diploma!

O policial, olhando para os reivindicantes: – querem continuar? Afirmo que vão perder.

Um  do grupo saiu; mais dois ou três segundos, foram-se o segundo e o terceiro, seguidos dos demais.  

Imagina-se que o manipulador, por trás daquela manobra, tenha ficado desmoralizado perante o grupo e quem acompanhava os acontecimentos, esperando ver o clube perder parte do seu imóvel.

O presidente da banda de música, por sua vez, criticado e hostilizado como se inimigo fosse do Cruzeiro do Sul, estava sempre na linha de frente em defesa do clube. Suas ações nos episódios relatados o comprovam.

Conclusão

Chegamos ao fim do histórico conhecido pelo autor e que merece ser divulgado, não só pelo que representa em termos de realização local e humana bem-sucedida, mas pelo que pode influir em outras iniciativas, inspirar ideias, estimular a iniciativa na realização de outros sonhos.

Com a divulgação do já conhecido, pode ser que, outros fatos, outros detalhes sejam do conhecimento de terceiros e estes queiram compartilhar com a página. Será bem-vinda essa colaboração, valendo-se da vantagem que a página digital oferece. A qualquer tempo, pode-se alterá-la, acrescentar-lhe, remodelá-la, enfim, fazer o que se quiser.

Contava-se com mais colaboração, para que esta página fosse editada, mormente da direção do Cruzeiro, pois não é qualquer entidade, surgida espontaneamente do meio popular que alcança a contagem ininterrupta de cem anos de história.

Além disso, pelo que se sabe, só há um registro dos fatos iniciais, o que tornaria difícil sua divulgação, seu conhecimento pelo público em geral, se eles tivessem ido parar em outras mãos.

Conforme já dito, coube a Joaquim de Lemos, por iniciativa própria, fazer tais registros, quando adolescente e participante da iniciativa. Muito mais tarde, quando nem se pensava em internet, ele os confiou ao autor, para que deles fizesse uso em oportunidade futura.

Contava-se com a obtenção de fotos atualizadas e mais interessantes  das instalações do clube. Numa época em que a gravação de imagens se tornou corriqueira, independentemente, de quem opera os equipamentos, pensava-se ter que escolhê-las entre centenas.

Os recursos para obtenção de imagens são inúmeros.  O drone, por exemplo, proporciona oportunidades de tomada de imagens, a partir de ângulos os mais inusitados.

Entretanto, não fomos contatados por nenhum membro da diretoria do clube. As fotos das instalações, mostradas na matéria, foram feitas por terceiros, de longe, sem qualquer ajuda.  

Foram publicadas notas, antecipadas, em jornal impresso, tendo, entre outros, o objetivo de despertar a atenção dos dirigentes do clube. Foi em vão! Nem abanaram o rabo!

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