Deixem o relógio em paz!

Nylton G Batista

Há muito não se falava no assunto, considerado morto, enterrado e banidas suas lembranças, mas, eis que o indesejável, oportunista como tantas coisas entre humanos, subitamente recobra forças, entreabre os olhos e já tenta se levantar, para tornar a se imiscuir nos modos de vida de quem já o havia esquecido entre as muitas tranqueiras.

Diante da seca inclemente e possibilidade de caos no setor elétrico, decorrente de quebra na produção de energia, aventa-se o ressurgimento do horário de verão.

Durante sua vigência, no passado recente, quando se alardeava vantajosa, na verdade, ridícula economia de 5% de energia no consumo de eletricidade, para não dizer falsa, pois era fartamente compensada com o desperdício feérico, nas festas natalinas, suspeitava-se da influência de certo setor econômico como principal interessado.  

Não mais suspeitas, pois o setor turístico, especialmente da orla marítima, acaba de escancarar, descaradamente, diante da opinião pública, seu poder de manipulação.

A ABRASEL, Associação Brasileira de Bares e Restaurantes solta nota, a reivindicar retomada do horário de verão, sob o argumento de que com o aumento da tarifa sobre energia, “o retorno do horário de verão ganha nova relevância, destacando seus benefícios para a sociedade e para diversos setores econômicos, incluindo os bares e restaurantes”. 

Para ser honesto e transparente, o trecho da nota deveria ter sido assim redigido: “o retorno do horário de verão ganha nova relevância, destacando seus benefícios para os bares e restaurantes, além de diversos setores econômicos”.

Mais adiante, a mesma nota diz: “Em bares e restaurantes, por exemplo, a Abrasel estima que o horário de verão eleve o faturamento em até 15%. Ainda segundo estimativas de associações de lojistas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, nos dias de horário de verão, há um aumento de faturamento por volta de 4% para as lojas de rua”.  

Confirma-se a antiga suspeita de que o horário de verão é de interesse especial para bares e restaurantes, nas cidades da orla litorânea, onde e quando o turismo é mais intenso.

Com o horário de verão pretendem aumentar a receita à custa de milhões de brasileiros que, não só o rejeitam, porém são prejudicados em sua saúde, em razão de alteração no relógio biológico.

O relógio biológico é um conjunto de mecanismos internos que regulam ritmos e comportamento do corpo humano em ciclos de aproximadamente 24 horas. Esses ritmos influenciam uma variedade de funções fisiológicas, como sono, atividades hormonais, alimentação, temperatura corporal e outros processos metabólicos.

Qualquer alteração no quadro pode causar danos à saúde, se não de todas, porém, certamente, de pessoas mais susceptíveis às mudanças. Se isso é desconhecido por grande parte da população como causa de transtornos à saúde, por certo que não passa despercebido a trabalhadores o incômodo de se levantar, ainda pela madrugada, para se dirigir ao trabalho.

No horário regular, poucos não são os que saem de suas casas antes do nascer do sol em direção aos seus locais de trabalho!

As tardes se prolongam com o sol à vista, mas as manhãs se encurtam, o que não é nada agradável para os que, no deslocamento ao local de trabalho, nas grandes cidades, têm que tomar até três meios de transporte.

Estes são os incômodos mais comuns, porém muitos outros pode haver, uma vez que cada indivíduo é uma vida, à parte, com características próprias, sentimentos e reações próprias a cada situação.

É justo, então, alterar para todos o tempo das atividades diárias, para que alguns ganhem mais dinheiro? De forma indireta, horário de verão é também intervenção no meio-ambiente.  

A propalada redução no consumo de energia, mediante o horário de verão é uma falácia, que não mais cola, e, se membros da ABRASEL querem contribuir para economia nacional, que produzam sua própria energia.

O sistema fotovoltaico, um sucesso tecnológico muito bem-vindo neste Brasil ensolarado, está aí e já representa 17% do sistema elétrico brasileiro.

Se boa para influir na política energética e boa para manipular a opinião pública, a ABRASEL pode também ser boa em promover a união dos seus, batalhar e conseguir mais energia para, com menor dependência em relação às concessionárias de energia, o setor prestar melhores serviços ao povo.

Em resposta aos esforços positivos do setor, o povo, que pode se afastar de quem o contraria, correria aos bares e restaurantes para beber uma ou todas, fartar-se de todos os quitutes, tira-gostos, acepipes, pratos e iguarias.

Deixem o relógio em paz e, em paz, todos estaremos!   

NOTA:   Publicado em OLIBERAL – edição nº 1603 – 27/09/2024                   

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