Mineração&/XComunidades: Como fazer do ESG uma prática comum?

A parte da tarde do segundo dia da 8ª edição do Mineração&/XComunidades se iniciou com duas apresentações, sobre a Aplicação da CPLI OIT 169 na prática, tendo como moderador o professor Giorgio De Tomi. Abordando Acertos e erros, Adriano Espeschit, Presidente da Potáss

io do Brasil e Diretor Executivo da J.Mendo Consultoria, mostrou o ponto de vista da indústria. 

Adriano começou apresentando o Projeto Autazes, da Potássio do Brasil, desenvolvido no município homônimo no Amazonas, que possui também terras indígenas homologadas dentro da região do projeto. “Como a consulta é livre, o povo Mura decidiu realizar a Consulta Prévia, Livre e Informada (OIT 169) também no município de Careiro da Várzea – vizinho de Autazes. Em 2019, a Potássio apresentou o projeto ao povo Mura, por meio de cartilha e vídeo, além de um relatório técnico para sanar quaisquer dúvidas dos indígenas. “O objetivo era não ter interferência da empresa e, apesar da Potássio ainda não ter uma operação, nós já temos a licença prévia que conseguimos ao esclarecer dúvidas em duas audiências prévias com a comunidade”.

O projeto da Potássio é uma planta de beneficiamento a oito quilômetros de duas terras indígenas e a outros oito quilômetros do porto que a companhia irá utilizar. “É uma mina subterrânea de camada de silvinita que está a 800 metros de profundidade, sendo que a silvinita não tem reagente químico e passa por todo um processo até chegar ao produto final. O resíduo é uma pilha de sal seco que será empilhado para voltar para o subsolo. O fechamento de mina acontece a partir no sexto ano, pois já teremos painéis disponíveis para serem preenchidos. A operação durará 23 anos e o fechamento de mina levará mais alguns anos”. Serão gerados cerca de 2.600 empregos na fase de implantação do projeto e mais 1.300 com o empreendimento em operação. 

A Convenção da OIT 169 sobre povos indígenas e tribais foi assinada por vinte países, dentre eles Brasil e Canadá, e a Potássio já cumpriu o primeiro passo (apresentação do projeto) e o segundo foi uma grande assembleia junto a 44 aldeias indígenas presentes, dos quatro exigidos. “Nós temos o compromisso de empregar 80% de mão-de-obra local. Se a população quiser, deixaremos a estrada e porto utilizados no projeto, caso o contrário tudo será removido”. 

A Potássio do Brasil tem uma infinidade de programas voltados para a mitigação ou compensação dos impactos que o projeto irá produzir, como água, qualidade do ar, reflorestamento, entre outros. Já os planos e programas específicos para o povo Mura foram apenas esboçados, pois precisam ser avaliados, discutidos e desenvolvido diretamente com os indígenas de Autazes e Careiro da Várzea. Há programas voltados para o desenvolvimento da educação, saúde, cultura, gestão territorial e de comunicação social com os Mura. Sobre os erros e acertos propostos pela palestra, Adriano disse que a empresa errou em não consultar previamente a comunidade e ao subestimar que conseguiria obter a licença em seis meses. Entre os acertos, o acordo que não teríamos contato com o povo Mura, enquanto o processo de conduta adequado não estiver concluído. 

Dando continuidade ao assunto, José Neto, Sócio e Líder de Projetos, Metodologias e Desenvolvimento de Equipe da Integratio, e Keyty Silva, Coordenadora de Projetos da Integratio, apresentaram ‘Mineração &/X Comunidades Tradicionais e a aplicação da Consulta Prévia, Livre e Informada (OIT 169)’. 

Neto explicou que a OIT 169 foi adotada em 1989 e tem como objetivos proteger os direitos de comunidades tradicionais, garantir a participação de tais comunidades em debates sobre quaisquer atividades que as afetem, servir como um instrumento jurídico internacional para promover os direitos das comunidades e fortalecer o respeito à diversidade cultural e o desenvolvimento sustentável dessas comunidades. Keyty Silva disse que Convenção 169 é uma forma de reconhecimento de que os povos possuem direitos próprios. “A OIT vem para reforçar e proteger esses direitos e garantir a participação dos povos, e principalmente reconhecer o tempo dos territórios durante o tempo de desenvolvimento de projetos”.

A Convenção 169 não cita nenhuma vez a Consulta Prévia Livre e Informada – CPLI e ela não trata só de projetos, mas direitos de povos tradicionais, como saúde, trabalho. A OIT 169 é direcionada aos governos. Neto diz que o termo aparece pela primeira vez nos Padrões de Desempenho da International Finance Corporation (IFC), em 2006, e quase 20 anos depois alguns países têm legislações específicas sobre a OIT 169. No Brasil, a OIT 169 está ratificada desde 2003 e passou por mudanças, por meio de decretos em 2004 e 2019, a última estando em vigor (Decreto 10.088). 

O termo CPLI também não aparece nenhuma vez na Portaria 060/2015, legislação que trata de licenciamento ambiental em terras tradicionais. “O que aparece é a consulta muito próximo do que se faz no âmbito da audiência pública. Como esse processo pode ser bem aplicado?”. O Estado tem papel fundamental no processo de operacionalização da CPLI, mas a legislação federal não especifica quais os procedimentos devem ser adotados para execução da CPLI. “No Brasil, a CPLI tem sido apropriada com o um mecanismo de operacionalização de conflitos, e não como um instrumento de participação democrática por parte dos povos tradicionais”, concluiu Neto. 

Produção responsável de ouro 

A terceira apresentação da tarde foi sobre Programas de incentivo a produção de ouro responsável e seus impactos na comunidade, com Pedro Eugênio Gomes Procópio da Silva, Diretor de Operações da Fênix DTVM, que abordou a mineração responsável de ouro em pequena escala. “Basicamente, a Fênix faz a intermediação da mineração de pequena escala, a fim de garantir que o metal não seja ilegal, além de realizar o recolhimento da CFEM. Entendemos que somos parte da cadeia produtiva e responsável pela promoção de mineração com certificação (desde a existência da mina, relação das minas com o meio ambiente, processos produtivos, manejo, entre outros)”. 

Outro ponto citado por Pedro Eugênio é o rastreamento do ouro com autenticidade de dados com a nota fiscal eletrônica implantada recentemente. “Conseguimos isto com o blockchain, que mapeia todos os dados da lavra mineral e todo o caminho do ouro percorrido, junto ao combate de lavagem de dinheiro e o estímulo à gestão responsável. “Neste ponto, buscamos alternativas para os garimpeiros responsáveis para que possam evoluir na cadeia do ouro e estimulamos o profissional por meio de incentivos financeiros à atividade responsável e iniciativas de transferência de conhecimento, como programa de eliminação de mercúrio, de recuperação de água, de economia de água no processo produtivo, educação ambiental nas comunidades e programa de consumo de energia limpa e neutralização do carbono”. 

A mineração de pequena e média escala é essencial, pois gera divisas ao País, e a Fênix entende que tem que reconhecer a própria empresa como parte do problema e solução para implementação do ESG no garimpo legal. “A mineração tem que conviver bem com a sociedade e com o meio ambiente”. 

Exemplos de programas com comunidades 

A tarde contou ainda com apresentações das empresas AMG e Vale, sobre exemplos de programas de relacionamento com as comunidasdes. João Augusto Dias Silva, Gerente Geral de Segurança, Saúde Ocupacional e Meio do Campo das Vertentes. O executivo comentou que a empresa trabalha em Campos das Vertentes e conseguiu transformar o que é vocação em oportunidade junto da comunidade. “A comunidade tem que decidir aonde ela quer chegar, pois a empresa tem que trabalhar em parceria com o território”. 

A AMG tem cerca de 3.600 funcionários, produz metais especiais com alto grau de engenharia e sistema de forno à vácuo, e fornece materiais críticos para os setores de energia, transporte, infraestrutura e metais especiais e químicos. A AMG tem o compromisso de reduzir em 20% a geração de CO2 até 2030, com base no ano de 2019. “Temos uma mineração em Nazarero, uma metalurgia em São João Del Rey e um escritório em Nova Lima. Atualmente está ampliando a planta de concentrado de espodumêmio. A expectativa é que em passemos de 90 para 130 milhões de toneladas anuais de lítio em setembro deste ano. Até 2026, vamos investir R$ 1,5 bilhão com uma planta para fazer a verticalização de nosso produto”. 

Nos municípios mineiros de Nazareno e São Tiago, a empresa tem cerca de 1.200 empregos diretos/indiretos em cada um, com 70% de trabalhadores locais e outros 1.200 em São João Del Rey, também com 70% da mão-de-obra local. “É desejo da AMG que as comunidades que nos recebem, cresçam junto conosco. Para isso é preciso estabelecer uma relação de confiança, transparência e um desenvolvimento sustentável nas áreas social, cultural, esportiva e de educação”. 

Recentemente, a AMG assinou um Termo de Ações socioambientais para desenvolver um parque ecológico no centro de Nazareno, cursos profissionalizantes em parceria com SENAI para capacitação, doação de 14 caminhões de pedra britada por dia para a manutenção das estradas municipais e outras inciativas. 

A outra apresentação, ‘Agenda Integrada Itaqui-Bacanga: integração interna e participação social na construção de relacionamento de longo prazo em São Luiz (MA) – Vale’, foi apresentada por Deborah Ferreira, Gerente de Relações com Comunidades da Vale no Maranhão. Deborah detalhou os programas que a empresa desenvolve junto a essa comunidade específica no Maranhão, citando como a exemplo a limpeza de um córrego em regime de mutirão, evitando enchentes e transbordamentos, a manutenção de creches para crianças dos moradores das comunidades e outros projetos específicos. Ela também destacou a necessidade do diálogo bilateral para que os programas sejam bem sucedidos. 

Como fazer do ESG uma prática comum? 

Fechando o evento, aconteceu a Mesa-Redonda ‘Como fazer dos princípios ESG uma prática comum a todos’ com a mediação de Maria José Salum, Membro do Conselho de Sustentabilidade da Sigma Mineração e Conselheira da Brasil Mineral; Rosane Santos, Diretora de Meio Ambiente, Relacionamento com Comunidades, Comunicação Corporativa e ESG da BAMIN; Angela Vasconcelos, Vice-presidente de Finanças e Administração da Equinox Brasil; Alice Borges de Almeida, Gerente Jurídica da Ero Brasil; e Heloisa Bortolo, Gerente de Direitos Humanos, Socioeconomia, Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais na Vale. 

“O ESG tem um histórico sustentável e atualmente não dá mais para deixar essa sopa de letras à parte da atividade minerária junto das comunidades. Mais do que os três pilares, a Governança de incorporação é que vai fazer a diferença sobre o ambiental e social”, disse Maria José. No final, ela disse que a mineração é falha na comunicação com a comunidade. “Se os colaboradores não sabem o que a empresa faz, é um problema, já que eles são comunidades e são as pontes entre as duas partes”. 

A primeira a comentar o que significa ESG foi Rosane Santos, da BAMIN, salientando que não é um tema novo. As primeiras iniciativas para solucionar problemas sociais e ambientais ocorrem desde a década de 1970, mas o tema evoluiu com a construção do documento Finança Sustentável, para as organizações adotarem quem demonstra preocupação com meio ambiente. “A BAMIN está com um projeto integrado adotando todos os parâmetros ESG, como o GRI e outros, além de atender indicadores do IBRAM e dos ODS da ONU. Temos que pensar global e fazer local, para atender às demandas da sociedade”. 

Sobre as estratégias de sustentabilidade, ou o que as empresas levam para as comunidades, ela disse: “Nessa fase em que estamos, a principal estratégia da BAMIN é acelerar a agenda sustentável e ter formas de mensurar, por meio de pesquisas, mapeamento de stakeholders, para entender o que era importante para quem estava dentro e fora da BAMIN”. 

A BAMIN definiu o relacionamento socioeconômico e relacionamento com a comunidade como prioridade. “Como podemos melhorar todos os indicadores da comunidade para realmente dar um retorno positivo para a sociedade, com um diálogo periódico sobre o projeto com entes da empresa, comunidade e Poder Público. As pessoas têm que olhar para o todo, pois o que acontece no porto e ferrovia também irá impactar as pessoas”. No porto, a BAMIN conversa com povos de terreiros para saber as demandas e preocupações, enquanto na ferrovia, como herdamos a concessão, o trabalho é porta-a-porta na comunidade, com explicações sobre o empreendimento. “É necessário que a comunidade participe de todo o processo, por meio do engajamento”. 

A empresa que não colocasse propósito em sua estratégia não sobreviverá a longo prazo. “Temos cada vez que pensar o porquê essa organização existe, já que ela não foi criada apenas para lucrar”. 

A segunda a comentar foi Angela Vasconcelos, afirmando que a empresa teve que passar por um processo de mudança total para atender às minorias, e conseguir incluir 13% de mulheres em suas operações. “A onda ESG me preocupa, pois o modismo passa, e ele não pode ser passageiro. Apesar das empresas contratarem mulheres, nem sempre elas continuam nas companhias e é preciso uma mudança para que haja uma continuidade destas profissionais na mineração”. Temos que pensar sobre o que estamos sendo para as comunidades e como podemos melhorar nossa imagem perante aqueles que não querem ingressar na mineração. O setor tem que ser atrativo para os jovens e ter longevidade. Temos que deixar um legado por onde passamos”. 

Ela afirmou que a Equinox percebeu que precisaria de um trabalho grande para firmar a marca e é necessário ouvir o que a comunidade quer, e isto nos proporcionou diversas interações. “Acho que a imagem da empresa vem mudando, mas ainda há uma desconfiança da comunidade e, por isso, a mineradora tem que não só dialogar, mas ouvir as demandas de cada território onde opera”.  

Alice Borges, da Ero Brasil, comentou sobre o projeto greenfield em Tucumã, no Pará, que entrará em operação em 2024, empreendimento de grandes desafios, principalmente quanto a capacitar a comunidade para atuar na mão-de-obra. “Temos que conhecer a realidade de cada comunidade e, para mim, o que mais me empolga é quando as pessoas retribuem a felicidade quando sabem que você trabalha na mineradora que desenvolve o projeto na cidade”. A base ESG tem que estar de mãos dadas com a comunidade, pois caso os lados sejam antagônicos, os conflitos serão eternos e mineradoras e comunidades sairão perdendo. “É importante cocriar e ser transparente com a população. Na Bahia desenvolvemos projetos de caprinocultura, de couro junto à comunidade da mineração Caraíba. Tentamos colocar em prática o que a gente acredita. Apresentamos todo o projeto, de mais de 50 anos, para a comunidade”. 

Por último, Heloisa Bortolo, da Vale, citou o trabalho da companhia na Amazônia e a importância de evoluir dia a dia nos compromissos de longo prazo que têm atuação direta com os territórios, como descarbonização, redução de emissões, combate à pobreza, diversidade e inclusão, trabalhadores negros e preservação do meio ambiente. “Nossa estratégia é externa e interna. Externamente, o plano de relacionamento com as comunidades é desenvolvido, onde discutimos a questões dos projetos com cada uma. Internamente, temos incluído no sistema de gestão da Vale as questões do risco (direitos humanos), a área ambiental, e identificar potenciais impactos. Desta forma, tentamos ser um bom vizinho, por ser parte do território”. 

“A Vale está aprendendo com os erros do passado e a tragédia nos ensina muito. Aprendemos a ser mais responsáveis com a agenda de sustentabilidade”, concluiu. 

Encerrando o evento, Rolf Fuchs disse que esta edição do Mineração &/X Comunidades teve dois diferenciais importantes: o primeiro, foi que as comunidades, representadas através da Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão em Brumadinho), que fez uma apresentação na tarde do primeiro dia, além de outras intervenções durante os debates; o segundo foi ter contado com a participação da Vale, que esteve ausente das outras edições do evento desde a tragédia de Brumadinho. “Desta vez a Vale veio com força, com peso, mostrando coisas boas, com coragem, determinação e peito aberto para falar dos problemas. Com humildade”, pontuou Rolf Fuchs.

Fonte: Brasil 61

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