Depois de 11 anos de seu lançamento e enquanto aguardava uma decisão da Justiça, o movimento “O Dom Bosco é Nosso” ressurge. A reativação se deu na 21ª Audiência Pública de 2022, convocada pela Câmara Municipal de Ouro Preto, ocasião em que se tomou conhecimento da decisão que reconhece a congregação salesiana como proprietária do imóvel.
Ao mesmo tempo, informou-se que os salesianos continuam intencionados à venda. A Audiência foi grandemente prejudicada, já que a congregação não se fez representar, assim como também não compareceram representantes da Prefeitura Municipal de Ouro Preto e do Ministério Público.
Além do público bastante expressivo, compareceram 3 vereadores e um representante da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Contudo, o assunto foi amplamente debatido, deduzindo-se que a maioria não quer que o prédio tenha outro destino em lugar da educação, que foi seu objetivo durante todo o século 20, daí a preocupação quanto a quem vai comprar e para o quê.
Devido ao não comparecimento dos salesianos, que repetem o mesmo gesto em relação a convites anteriores, os 3 vereadores estudam possibilidade, de o assunto ser levado a uma Comissão Especial e, talvez, a uma Comissão Parlamentar de Inquérito -CPI.
Os vários aspectos a envolver o antigo quartel de cavalaria
Se para os salesianos o destino do imóvel é uma questão financeira, para os cachoeirenses é questão de História, educação, cultura e identidade coletiva, razão pela qual apresenta-se aqui uma sugestão que, por certo, daria uma destinação adequada e de acordo com o desejo da coletividade.
Observando-se que:
todo o imóvel teve origem na necessidade de o colonizador ter aqui uma fortaleza militar, para a segurança do palácio (palácio da Cachoeira) residência do governador da capitania, edificado em outra área contígua ao arraial da Cachoeira;
com a independência do Brasil, o imóvel, antes pertencente à coroa portuguesa, passou à coroa imperial brasileira, até que em novembro de 1889, foi proclamada a República.
Por ocasião da mudança de regime, no imóvel funcionava colônia agrícola, criada em fevereiro daquele mesmo ano, pelo imperador, Pedro II, que confiara sua administração ao governo da província com sede em Ouro Preto.
Chega-se à conclusão que o imóvel, antes pertencente à coroa, deveria ter passado ao governo da União e não ao governo do Estado de Minas Gerais. Por essa razão, o governo de Minas não tinha competência legal para celebrar o Termo do Comodato com a Congregação Salesiana. O governo federal, o segundo da República, cochilou e o que lhe era de direito, por sucessão de regime, ficou com o governo mineiro.
O erro observado por ocasião da sucessão de regimes acabou por consolidar, quase cem anos depois, o governo do Estado de Minas Gerais transferiu a propriedade, definitivamente para a congregação salesiana.
Considerando-se todo o exposto; considerando-se ainda que os salesianos, segundo se informa, persistem na intenção da venda e não consideram a ideia da doação; considerando-se que que se nega a doar, foi recebido em doação, sugere-se:
Desapropriação de todo o imóvel remanescente, em nível federal.
Motivos para a desapropriação há de sobra, destacando-se:
- Origem histórica, ainda por determinação da coroa portuguesa.
- Maior quartel da cavalaria militar, da época, em terras de Minas.
- Propriedade da coroa imperial braseira – Pedro I e Pedro II
Só estes três motivos já justificam a desapropriação do imóvel para se integrar ao Patrimônio Histórico Nacional. Mas há também: a necessidade de se corrigir o “cochilo republicano”, no início do novo regime, fazendo voltar à União, da qual o imóvel não deveria ter sido desviado, em 15 de novembro de 1889; a necessidade de espaço para a expansão da UFOP; a continuidade da educação naquele espaço como objetivo principal, visto pela comunidade cachoeirense .NGB
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Da Educação à Hotelaria
Finalmente, a novela sobre o futuro do antigo quartel de cavalaria – que se tornou as Escolas Dom Bosco da congregação salesiana – chegou ao fim.
Por mais de 100 anos, os salesianos mantiveram as Escolas Dom Bosco (popularmente conhecidas como Colégio Dom Bosco) na região, mas o destino do edifício histórico não foi decidido de acordo com a vontade pública, depois de ali encerradas as atividades educacionais.
Em vez disso, uma rede hoteleira portuguesa instalará um hotel de classe internacional no local, cnontinuando a propriedade em mãos salesianas. A grande maioria desejava que o edifício continuasse a funcionar como uma escola, mas infelizmente, isso não foi possível. As autoridades e instituições da área da educação não pareciam interessadas em atender ao clamor público, muito bem representado e defendido pelo movimento “O Dom Bosco é Nosso”.
Com a decisão tomada, a edificação será preservada e a região ganhará um hotel de alta classe para impulsionar o turismo. A ironia é que, em novo contexto, Portugal está de volta ao edifício quartel, erguido por ordem real portuguesa para que fosse a sentinela a serviço do Palácio Residencial do Governador da Capitania de Minas. De certa forma, isso pode representar uma compensação histórica.
Embora a vontade inicial de vender o imóvel tenha sido lamentável, não se pode negar a influência positiva que a ação salesiana exerceu em toda a região. Gerações passadas, que viveram sob a influência dos salesianos, têm muito a agradecer. As gerações mais recentes, que não conheceram a dinâmica das Escolas Dom Bosco, perderam uma parte importante da história educacional, cultural e recreativa da região.
Para se ter uma ideia da influência salesiana, àquela época, basta lembrar que Cachoeira do Campo era dotada de 3 salas de teatro, todos os palcos dotados de equipamento maquinismos necessários a encenações: uma no Colégio Dom Bosco, outra no Oratório Festivo e a terceira no Orfanato Nossa Senhora Auxiliadora.
Os cachoeirenses tiveram o primeiro contato com o cinema, no Oratório Festivo, cuja sala não oferecia o conforto de suas congêneres mas, nela, exibiam-se bons filmes.
Aos domingos, depois da missa, meninos e adolescentes tinham toda a tarde para recreação, antecedendo aula de educação geral, catecismo e aula de canto. A recreação compunha-se de futebol, “spiriball”, “ping-pong”, balanços, postes gigantes, jogos de mesa e brincadeiras coletivas diversas.
O Orfanato Nossa Senhora Auxiliadora desempenhava função semelhante para meninas. Tudo isso contribuiu para que muitas crianças e jovens da região tivessem acesso a uma educação de qualidade e um ambiente seguro e saudável para se divertir e socializar.
Embora o destino do antigo quartel não tenha sido o desejado pela maioria, espera-se que a preservação da edificação e a instalação de um hotel possam contribuir para o desenvolvimento econômico da região, desde que empreendido com lucidez.